sábado, 1 de outubro de 2016
sábado, 6 de agosto de 2016
Manifesto Autogestionário: um plágio criativo do Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels
Resenha:
VIANA, Nildo. Manifesto Autogestionário. Rio de Janeiro: Achiamé, 2008
Manifesto Autogestionário:
um plágio criativo do Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels
Lucas Maia Dos Santos∗
160 anos separam o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels do Manifesto
Autogestionário de Nildo Viana. O manifesto dos autores alemães é sem sombra de dúvidas
um pequeno texto que vale por obras inteiras. O texto de Nildo Viana é um plágio do velho
manifesto ou como o autor mesmo diz: “é um plágio de um plágio”, pois Marx e Engels são
acusados de plagiarem o Manifesto da Democracia de Victor Considerant. Marx e Engels
teriam plagiado Considerant? Nildo Viana afirma peremptoriamente que não, pois embora
haja algumas semelhanças formais em ambos os textos, as teses defendidas no Manifesto do
Partido Comunista não se encontram no Manifesto da Democracia.
Os prefácios feitos por Marx e Engels às sucessivas edições do Manifesto do Partido
Comunista demonstram uma preocupação dos autores em ressaltar que as teses ali expostas
não são um catecismo que deva ser seguido ad eternum. O revolucionário que de fato queira
compreender o processo histórico e de alguma maneira contribuir com a transformação social,
deve cotidianamente preocupar-se em analisar concretamente as condições históricas dadas.
Não basta apreender um conjunto de postulados e aplicá-los indefinidamente em qualquer
situação e contexto histórico. Não há nada mais idealista que tal procedimento.
O Manifesto da Liga dos Comunistas de 1848 é a expressão mais clara de uma nova
concepção da história, que considera os processos reais analisados de uma maneira concreta,
ou seja, que ambiciona encontrar as múltiplas determinações que explicam a realidade. Marx
e Engels demonstraram que a alavanca da história é a luta de classes. A luta entre senhores de
escravos e escravos no modo de produção escravista da antiguidade, a luta secular entre
senhores feudais e servos no modo de produção feudal e por último, a dramática guerra civil,
ora oculta ora declarada, entre burgueses e proletários trouxeram a humanidade aos nossos
dias.
O que o Manifesto do Partido Comunista representa é justamente um programa prático que
expressa uma concepção revolucionária. Neste texto está contido a concepção do
desenvolvimento histórico entendida de um ponto de vista materialista, a relação dos
comunistas com a classe operária e a posição dos comunistas diante das demais tendências
oposicionistas e da literatura socialista existente até aquele período. Para demonstrar como
entendem o processo histórico, afirmam: “A história de toda sociedade até nossos dias tem
sido a história das lutas de classes”. Isto coloca o proletariado na pauta das discussões, pois
sendo ele produto genuíno desta sociedade, a ele também cabe o papel histórico de abolição
das relações sociais existentes. É com base nisto que afirmam que o papel dos comunistas não
é o de dirigir a classe operária rumo à revolução, pois segundo entendem, os comunistas não
∗
Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Goiás e professor da rede municipal de ensino de Goiânia.
são um partido a parte, separado da classe operária, são simplesmente a fração mais resoluta
do proletariado. Apresentam em relação a este a vantagem de terem consciência dos fins da
luta ao passo que os proletários em geral só adquirem consciência destes fins durante o
processo de luta e principalmente nos momentos mais radicais desta verdadeira guerra civil –
a luta de classes. É por esta razão que terminam o texto com a célebre frase: “Proletários de
todo o mundo, uni-vos”!
Se em linhas gerais, o Manifesto de 1848 continua atualíssimo, pois a sociedade capitalista
ainda merece ser destruída, pois o proletariado ainda é o verdadeiro sujeito da revolução, pois
os comunistas continuam a existir etc., não é menos verdade que a sociedade transformou-se
consideravelmente de lá para cá. Sendo, portanto, coerente com os princípios do materialismo
histórico, nada mais adequado do que realizar uma atualização deste manifesto.
O materialismo histórico-dialético é um método vivo, posto que expressão concreta do
movimento do mundo. Aplicando-o ao estudo de realidades concretas, produzimos
interpretações teóricas destas realidades. Uma teoria é um conjunto de conceitos e categorias
articulados num processo coerente de explicação da realidade. A teoria visa explicar. Sendo
expressão explicativa do mundo, ela ajuda a contribuir com o processo de transformação e
também permite clarear melhor as nuances do processo revolucionário, sendo importante
arma no combate à contra-revolução (seja ela burocrática ou burguesa). Esta teoria deve ser
constantemente submetida à análise e reanálise, deve estar sempre com os olhos voltados para
o mundo, deve sempre explicá-lo. Se assim não o for, torna-se ideologia, ou seja, uma visão
invertida da realidade, uma falsa consciência.
O marxismo, de teoria revolucionária, tornou-se durante o século 20 um conjunto de
ideologias tão díspares e ao mesmo tempo tão distantes do marxismo que a utilização deste
termo para qualificá-lo enquanto tal ficou bastante problemática. Foi o que o que ocorreu com
a social democracia, com o leninismo e todas as suas variações (stalinismo, trotskismo,
maoísmo etc.), com a fusão do “marxismo” com ideologias científicas (estruturalismo,
fenomenologia etc.) dentre outras possibilidades de deformação. Por isto, a teoria
revolucionária, ou seja, o marxismo, deve explicar o mundo e por causa disto deve ser a
crítica radical de toda e qualquer ideologia já existente ou que venha a ser produzida.
Por isto, Nildo Viana se coloca nesta difícil e ao mesmo tempo instigante tarefa de “atualizar”
o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels. O desafio já começa com a preocupação
terminológica. O termo comunismo se prestou a tantas barbáries e tantas confusões na longa
história das lutas operárias do século 20 que de um conceito que visava e expressava o
processo revolucionário, tornou-se um grande monstro que justificava as mais gigantescas
burocracias (União Soviética, China, Cuba etc.). Tornou-se um conceito que estava articulado
a uma ideologia que utilizava uma fraseologia “marxista”, mas que na verdade era somente
uma forma de dominação da burocracia. A disseminação da idéia de comunismo como
vinculada aos partidos bolcheviques presta-se à edificação de grandes confusões: onde antes
tinha-se revolução, agora tem-se contra-revolução burocrática, onde antes tinha-se um
“sonhar para frente”, para utilizar expressão de Ernst Bloch, agora tem-se um eterno retorno
das sombras do passado. Assim, o Manifesto do Partido Comunista torna-se no seu plágio
contemporâneo o Manifesto Autogestionário. Mata-se dois coelhos com uma cajadada só:
abandona-se o uso da confusa expressão “comunismo” e da palavra “partido”. Embora Marx e
Engels desse um sentido diferente à palavra partido, ou seja, aqueles que tomam partido, que
tomam parte, que se posicionam como comunistas, com o desenvolvimento das burocracias
partidárias e da “democracia burguesa” torna-se um termo que presta-se à confusão e não à
explicação.
Formalmente, o Manifesto Autogestionário segue a mesma lógica do Manifesto do Partido
Comunista. Apresenta, na seção 1, a luta entre burgueses e proletários, denominando-a de “A
burguesia e o proletariado: a dinâmica da luta entre trabalho morto e trabalho vivo”. Esta é
a parte mais difícil de ser atualizada, pois trata da essência do modo de produção capitalista.
Por esta razão, as modificações que sofreu são mais formais e conjunturais. A preocupação
centra-se então em precisão terminológica. A burguesia, fulcro dominante da exploração
capitalista representa o trabalho morto, fruto da exploração, merecendo, portanto, ser
sumariamente abolida enquanto classe. O proletariado, por sua vez é o trabalho vivo, o centro
da criação e da criatividade. Por este motivo, a ele cabe a difícil tarefa de destruir o
capitalismo e construir a autogestão social.
Na seção 2, “A autogestão das lutas operárias”, é apresentada a pré-condição sem a qual
qualquer revolução proletária torna-se impossível: a autogestão das lutas. O que precisamente
significa isto? Nada mais nada menos que “a emancipação dos trabalhadores é obra dos
próprios trabalhadores” como disse Marx na introdução aos estatutos da Associação
Internacional dos Trabalhadores, a primeira Internacional. No período em que o Manifesto do
Partido Comunista foi redigido, a luta proletária era ainda inaugural, na Alemanha e em
alguns países, a burguesia ainda lutava contra os senhores feudais, o proletariado ainda não
tinha as ferramentas necessárias para derrubar a burguesia como um todo, mas mesmo assim,
as jornadas de fevereiro de 1848 assustaram a classe burguesa que se consolidava. 23 anos
depois, no ano de 1871, em Paris, o proletariado mostra sua verdadeira face à burguesia e a
classe dominante treme diante daquela insurreição. A Comuna de Paris, como a primeira
experiência histórica do proletariado enquanto classe para si, ou seja, que expressa seus
interesses de classe, levam Marx e Engels a fazer uma pequena “correção” em seu Manifesto.
No prefácio de 1872, afirmam que o proletariado não pode direcionar suas lutas para a
conquista do poder de estado, como haviam afirmado em 1848, mas sim que deve aboli-lo
imediatamente com a intenção de criar o autogoverno dos produtores. A Comuna de Paris
seria a forma finalmente encontrada de uma associação verdadeiramente livre de produtores.
Várias outras experiências se sucederam após a Comuna: as revoluções russas de 1905 e
1917, as tentativas de revolução na Alemanha, Itália, Hungria etc. no período de 1918 a 1923,
a tentativa de revolução na Hungria e França em 1956, o maio de 1968 francês, as greves
selvagens na Europa na década de 1970, a formação de Conselhos operários na Polônia em
1980 etc. Mais recentemente, algumas experiências limitadas na Argentina em 2001 com a
criação das assembléias de bairros e o movimento piquetero, a experiência de Oaxaca no
México etc. demonstram que as lutas operárias não acabaram, mas que pelo contrário,
expandiram-se para o mundo inteiro, posto que o capitalismo estende hoje seus tentáculos a
todos os lugares.
Além destas experiências históricas aqui citadas e inúmeras outras que não foram destacadas,
alia-se toda a produção cultural ligadas a elas. Destaco o Comunismo de Conselhos
desenvolvido por entre outros: Karl Korsch, Otho Rhüle, Anton Pannekoek, Herman Gorter,
etc. O Comunismo de Conselhos, que se consolida na segunda metade da década de 1920 é a
expressão teórica mais desenvolvida da classe operária até então. Desenvolveu até as últimas
conseqüências a idéia de classe operária para si, vendo nos conselhos operários a forma e o
princípio geral de organização das lutas operárias na sociedade capitalista bem como a forma
e o princípio de auto-organização da sociedade futura.
É com base nestas experiências históricas e, entre outras concepções, mas principalmente o
Comunismo de Conselhos, que Nildo Viana coloca no primeiro plano a necessidade de
autogestão das lutas operárias, pois é através delas que se criam as condições materiais de se
abolir as organizações burocráticas: partidos (todos), sindicatos (todos), estado (todos). Além
disso, os conselhos operários são a organização necessária para auto-educação do
proletariado, tanto no seu processo de luta contra a burguesia e a burocracia, mas
principalmente na sua maior tarefa, ou seja, reorganizar e gerir a futura sociedade.
A seção 3, “As tarefas dos militantes autogestionários – estratégia revolucionária”, é
exclusivamente dedicada ao papel dos militantes revolucionários. Os grupos e os militantes
revolucionários não são a “vanguarda” da classe operária. Aos grupos revolucionários não
compete dirigir a classe, determinar os rumos e os ritmos das atividades da classe. Também
não é uma ação revolucionária ficar nos limites das lutas reivindicativas do proletariado.
Assim, uma grande contribuição dos militantes é a luta cultural, ou seja, produção de uma
interpretação teórica profunda da realidade, crítica implacável de toda e qualquer ideologia,
ou seja, tudo aquilo que contribua com o avanço da consciência revolucionária.
A única estratégia verdadeiramente revolucionária dos militantes autogestionários é contribuir
com a auto-emancipação do proletariado: “O papel dos militantes autogestionários é,
envolvidos na dinâmica da luta operária, acelerar o processo revolucionário e reforçar as
condições necessárias para a vitória do proletariado. É necessário desencadear uma intensa
luta cultural e política com o objetivo de jogar as massas na luta direta pela sua emancipação e
criar a ação revolucionária das classes exploradas” (Viana, 2008, p. 35). Assim, ao militante
não cabe ficar sentado no sofá da sala assistindo TV, como também não é revolucionário ser
“vanguarda”, da mesma forma que é contra-revolucionário ficar no nível das lutas
espontâneas e autônomas. A única estratégia revolucionária é articular os fins da luta (a
autogestão social) com os meios (a autogestão das lutas). Esta estratégia visa avançar sempre
a luta dos estágios espontâneo e autônomo para uma luta autogestionária, o terceiro e o mais
radical estágio da luta operária.
Na seção 4, “Posição diante das demais tendências oposicionistas”, faz uma crítica às
concepções ditas de esquerda. Define como tendência oposicionista os grupos e indivíduos
que se opõem ao capitalismo ou a governos estabelecidos tanto no plano teórico quanto
prático. Cada uma das tendências tem uma base social definida: intelligentsia, burocracia,
jovens estudantes etc. podendo ter em uma tendência mais de uma destas. Critica-se o
pseudomarxismo acadêmico, o pseudomarxismo reformista, o pseudomarxismo bolchevista, o
sindicalismo, o “socialismo” individualista, o “socialismo” filosófico, o “socialismo”
romântico e o anarquismo dogmático. Com relação ao anarquismo, é necessário destacar que
existe o anarquismo revolucionário. Esta, contrariamente às suas variantes dogmáticas, aponta
para uma perspectiva verdadeiramente revolucionária. É uma doutrina com princípios
revolucionários, mas sem uma teoria da história e do capitalismo. Alguns anarquistas
assumem por isto a interpretação marxista do capitalismo e da história, ou seja, o
materialismo histórico-dialético.
A posição dos militantes autogestionários diante das tendências oposicionistas é variável.
Com relação às tendências academicistas, sindicalistas, reformistas e bolchevistas, a relação
deve ser de crítica, excetuando em casos raros e em conjunturas específicas nas quais seja
possível “uma ação conjunta por questões pontuais”. Com relação às individualistas,
românticas, filosóficas e dogmáticas, a relação deve ser de debate franco com o intuito de
demonstrar as conseqüências das posições e práticas destas concepções. Com relação ao
anarquismo revolucionário, a relação deve ser de ação conjunta e ajuda mútua. É necessário
que se diga que estamos falando de concepções e não de indivíduos ou organizações
específicas. Um indivíduo pode aderir a uma concepção leninista, por exemplo, mas isto não o
impede de em determinado contexto histórico mudar de posição. A falta de consciência da
existência de determinadas concepções mais radicais faz com que alguns indivíduos façam a
adesão a concepções reformistas ou ingênuas. Neste caso, a possibilidade de avançar para
concepções mais radicais é mais factível. Entretanto, em alguns indivíduos isto já é mais
problemático, pois a estrutura de personalidade de algumas pessoas que ao entrar numa dada
organização burocrática vêem nela a maneira necessária, pois isto reflete a sua própria
mentalidade burguesa e burocrática. Isto torna mais difícil sua mudança de concepção, pois
reflete seus valores, sentimentos, enfim, o conjunto de sua mentalidade. A crítica deve ser
direcionada às concepções e não a indivíduos considerados isoladamente. É claro que
determinados indivíduos de organizações burocráticas, principalmente seus chefes,
dificilmente mudarão de concepção. Neste caso, o combate deve ser franco e direto.
Encerra-se o manifesto com a seção 5, “A sociedade autogerida”. Nesta última parte, Nildo
Viana faz uma belíssima análise utópica. A utopia, no sentido em que Ernst Bloch no seu
livro O princípio Esperança emprega o termo, trata-se de uma visualização da tendência,
manifestando uma consciência antecipadora. Utopia, nestes temos, não é considerada como
sendo uma imagem ilusória de um lugar que não existe. Esta é uma utopia abstrata. Para
Bloch, a utopia deve ser concreta, ou seja, deve ser a visualização do futuro (consciência
antecipadora), mas considerando os processos de tendência. Trata-se na verdade do
rompimento com o saber meramente empírico; com esta cisão, a esperança entra como
categoria analítica da realidade presente. A história até Marx considerou somente o passado.
A partir do materialismo histórico-dialético, o futuro, a utopia concreta entra em cena na
leitura do mundo. Deste modo, as antevisões da sociedade do futuro, a sociedade autogerida,
não são abstrações sustentadas em castelos de carta, são na verdade a fuga do pensamento
para o futuro, a colocação da realidade no front entre o hoje e o amanhã, sendo este a
expressão de uma tendência profunda existente nesta sociedade.
A análise que o autor faz da sociedade autogerida é realizada a partir da observação das
experiências revolucionárias existentes até então e nas interpretações teóricas sobre estas
experiências. O modo de produção capitalista tem como sua essência a produção de maisvalia.
É a partir dela e para sua reprodução que tudo o mais se estrutura: mercado, estado,
dinheiro, individualismo, burocracia, burguesia-proletariado etc. A essência do modo de
produção comunista, pelo contrário, é a autogestão social. A partir da generalização da
autogestão através dos conselhos operários, que na sociedade autogerida deverá mudar de
nome, visto que não mais existirão operários, mas somente produtores livremente associados,
tudo o mais será re-estruturado. O estado, o mercado, o dinheiro e as classes sociais
sucumbirão. Um novo ser humano será construído, uma nova mentalidade, uma nova
sociabilidade, uma nova forma de associação entre as pessoas se erguerá.
O Manifesto Autogestionário é, portanto, uma leitura indispensável para os militantes
revolucionários hoje. Quem quiser ter acesso a uma obra de indiscutível radicalidade, de
nomeada coerência e inteira correspondência com o processo revolucionário deve ler este
manifesto. E, a partir daí, como provoca o autor, cada um deve se sentir tentado a escrever seu
próprio manifesto, pois isto é coerente com marxismo revolucionário, libertário. No final das
contas, este pequeno plágio é uma das obras mais originais dos últimos tempos.
TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM:
http://www.espacoacademico.com.br/092/92res_santos.pdf
TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM:
http://www.espacoacademico.com.br/092/92res_santos.pdf
sexta-feira, 18 de março de 2016
Ascensão e Queda dos Partido dos "Trabalhadores"
Ascensão e Queda do PT
Nildo Viana

mas fica em dívida com o comprador. O PT, tal como afirma Lula, não queria esperar 30 anos para chegar ao poder (4). O apoio de Sarney e, posteriormente, de Maluf e outros mostravam que a burguesia poderia confiar tranquilamente em Lula. A estratégia do PT era se incluir no bloco dominante, pois somente assim teria chances eleitorais reais.
O Governo Lula assume uma posição neoliberal,
tal como exigida pelas necessidades do capital, com feição populista, tal como
seus programas sociais, inicialmente o Fome Zero e os posteriores. O
neoliberalismo neopopulista, que tinha alguns pilares, como garantir a
estabilidade financeira e política (a política financeira seguiu esse
caminho), cortar gastos, entre outros, foi seguida ao lado de alguns gastos
sociais, mínimos, nas políticas voltadas para o lumpemproletariado (no sentido
amplo do termo, incluindo todos que estão no desemprego e subemprego), ao lado
de políticas sociais paliativas e políticas segmentares (visando certos
segmentos sociais, embora somente atingisse os seus estratos superiores, como
negros, mulheres, etc.), cooptação de movimentos sociais, aumento relativo do consumo, manipulação
das estatísticas (que apontavam diminuição da pobreza, aumento da “classe média”,
etc.). Nesse contexto, mantendo o apoio do capital comunicacional e com a acumulação
de capital em ascensão, tais políticas conseguiram um amplo apoio. Os setores
mais radicais do PT e da sociedade não conseguiam maior espaço e a maioria
acreditava no discurso evolucionista de que os passos seguintes apontariam para
reformas mais profundas. Nesse momento, nem o discurso social-democrata e suas
reformas estruturais apareciam mais. O PT se tornou ainda mais conservador e se
tornou governo, estando alegremente ao lado de Sarney, Collor e Maluf, grande
parte do capital, especialmente o comunicacional, com destaque para as
Organizações Globo. As chamadas conquistas do Governo Lula foram possível por
ser um período de estabilização da acumulação de capital, que só se estabiliza
com a reprodução ampliada do capital, o chamado “crescimento econômico” e
qualquer governo no lugar realizaria o mesmo, no que se refere ao consumo, a
diferença seria que nem todos fariam a política neopopulista de cooptação e
políticas segmentares.

Apesar de alguns percalços, o Governo Lula conseguiu, nesse período, manter o governo e a estabilidade e ainda garantir um terceiro mandato para o seu partido, através de Dilma Roussef. O Governo Dilma não teve a mesma sorte, apesar de no início não ter encontrado grandes problemas, até que um novo contexto emergiu. Por um lado, a crise financeira de 2008 e os primeiros momentos de desestabilização do regime de acumulação integral (5), começam a se fazer sentir alguns anos depois no Brasil, bem como graças à dinâmica interna do capitalismo brasileiro. O desgaste do Governo Dilma ocorreu de forma mais visível a partir das manifestações de 2013, que começou com as manifestações estudantis de maio, que se transformaram em manifestações populares em junho. O Governo Dilma prometeu muito para arrefecer os ânimos dos manifestantes, mas tão logo elas diminuíram, tudo voltou a ser como antes. As ações governamentais diante das pequenas manifestações posteriores contra a Copa do Mundo, marcadas por uma intensa repressão policial, mostraram uma face a mais do governo, que com isso perdeu apoio e voto em setores da juventude, dos trabalhadores e de certos grupos políticos, somando aos que já possuíam essa posição anteriormente.
As eleições de 2014 mostraram o
enfraquecimento de Dilma Roussef, que perdeu votos que foram para, por um lado,
os demais partidos concorrentes (e, no segundo turno, para o candidato do PSDB –
Partido da Social-Democracia Brasileira), por outro, para as abstenções, votos
nulos e brancos, que, somados, significaram quase um terço do eleitorado.
No contexto das eleições, a situação financeira do país
encontrava problemas crescentes e seriam necessárias algumas medidas
impopulares, coisa que a presidente e candidata não quis fazer. O aumento da
dívida pública e déficit primário ocorrem no primeiro semestre de 2014 (6).
Isso geraria mais problemas adiante de qualquer
forma, mas sem agir nesse momento, as consequências seriam mais fortes, o que
era previsível. Isso provocou a necessidade de medidas urgentes por parte do governo, num contexto de ano eleitoral e com
a presidente sendo candidata à reeleição (7), motivo pelo qual isso não ocorreu. Dilma encerrou seu primeiro
mandato numa situação diferente dos dois anteriores de Lula, em época de dificuldades na acumulação de
capital (“crescimento econômico”), além dos limites do governo em matéria de competência e mudança, pois em 2015 poderia ter tomado medidas para minimizar o impacto das mudanças e quase nada foi feito, em parte por questões políticas, em parte por incompetência.
A grande questão é que o PT, por suas origens, por
resquícios de discurso de “esquerda”, e por causa de seus compromissos
eleitorais (que implica em gastos e evitar determinadas ações necessárias), ao
lado de sua inércia em política financeira e resolução dos problemas que
emergiram e foram se avolumando, acabou tendo problemas em seu romance
com o capital. Já nas eleições de 2014, o capital, reforçado pelo temor das manifestações
de 2013 (e o discurso de Dilma e medo de uma adoção de políticas mais
desfavoráveis para os seus interesses), já tinha vários setores que se
deslocaram para outro apoio eleitoral, muitos com ambiguidades (alguns setores
do capital apoiaram financeiramente as duas candidaturas principais, afinal de
contas, assim ficariam do lado do governo, independente de quem ganhar). O
capital comunicacional também começa a se deslocar e a aliança PT-Globo é
desfeita.
Esse processo foi marcado por um ano de 2015 muito ruim para
o Governo Dilma e PT. A crise financeira vai paulatinamente se aprofundando e o
imobilismo do governo mostra isso. As greves aumentam e algumas manifestações começam
a ressurgir. A repressão e as ações governamentais que apontam para precarização
da educação e outros setores, gera novo descontentamento. O governo Dilma e seus aliados, a ala
governista do bloco dominante, começa a perder apoio. Setores do capital, a
maior parte do capital comunicacional, adotam posição cada vez mais contra o
governo. As denúncias de corrupção vão tomando corpo, gerando impopularidade e servindo de pretexto
para a ala oposicionista do bloco dominante atacar a ala governista. A palavra
impeachment vai sendo cada vez mais proferida. O PT e o Governo Dilma perdem
espaço e apoio progressivamente. A burocracia estatal estatutária (que é permanente)
começa a se desligar da burocracia governamental (que é provisória), o que se
pode ver pela autonomização do aparato jurídico e repressivo. O aparato
repressivo (polícia federal) e o aparato jurídico fecham o cerco e recebem apoio
maciço do capital comunicacional.
As políticas petistas não conseguiram organizar bases
permanentes de apoio. Os setores dos movimentos sociais cooptados não são uma
grande força mobilizadora, e os que já eram aparelhados pelo PT também. A parte
da intelectualidade que se alia à ala governista do bloco dominante, também não
tem grande presença intelectual e política. O exército de descontentes aumenta,
pois, por um lado, tanto o bloco revolucionário quanto grande partes das
classes desprivilegiadas, rechaçam o governo petista e, por outro, setores das
classes privilegiadas também mostram um grande descontentamento com o PT. Com
uma base de apoio tão frágil, e com a crise financeira, os setores do capital
já descontentes foram reforçados por novos setores do mesmo, bem como pelo capital comunicacional e a
burocracia estatutária. O desenrolar do processo, com a crise financeira sem grande
perspectiva de solução e os escândalos de corrupção, foram suficientes para que
o capital repensasse sua posição diante do governo Dilma. O PT entrou no seleto
grupo do bloco dominante e para isso vendeu sua alma ao capital. No entanto, não
entendeu que ele era um “convidado”, oriundo do bloco progressista, e não um sócio
permanente e que, por isso, poderia ser convidado a se retirar a qualquer
momento. Uma vez no poder, usou e abusou do mesmo, inclusive contra as classes
desprivilegiadas e bloco revolucionário, bem como aparelhou o Estado pensando pensando que isso garantiria sua permanência. Mostrou também incompetência e
inoperância, junto com sua ambição de permanecer no poder acima de tudo, e isso
gerou o seu isolamento no bloco dominante, facilitado por seu afastamento das
classes desprivilegiadas, o que foi perceptível em 2013. A "hora da estrela" passou e agora é o momento de sua queda.
Assim, os petistas de carteirinha tem certa razão
ao reclamar da Rede Globo, do aparato jurídico e repressivo e dos “exageros”.
Ele deu brechas e a ala oposicionista do bloco dominante, cada vez mais forte, as usou: via oposição parlamentar
e pedido de impeachment, via capital comunicacional, via mobilização da população e aparato repressivo e jurídico. Dessa forma, o Governo Dilma foi perdendo todo o respaldo (8).
Isso tudo explica a queda do PT, que voltar a ser
um mero partido do bloco progressista (e aí vai mudar um pouco o discurso, com
tom mais progressista e menos moderado) e sai do grupo seleto do bloco
dominante. O principal responsável por isso tudo é o próprio PT, por ter ficado
embebido com o poder e não entender a luta de classes, sem compreender também a dinâmica da acumulação de capital e por isso achar que ficaria
sempre junto com o bloco dominante. Não fez o trabalho de constituir bases mais sólidas para manter sua
força diante do capital. O Partido dos “Trabalhadores” não buscou apoio das
classes trabalhadoras, fazendo muito pouco por elas.
O atual discurso petista, sobre “golpe” é totalmente sem
sentido. O capital está fazendo o que sempre fez e foi o PT, dentro da esquerda
capitalista, o que mais insistiu na defesa da “legalidade”, do “estado de
direito”, “democracia (representativa)”. Tudo que está sendo feito é dentro
dessa legalidade, estado de direito e democracia representativa, e, portanto, o
discurso do golpe é falacioso. Esse é o processo normal na democracia
representativa e capitalismo e, portanto, essa “indignação seletiva”, para usar
linguagem petista, que se manifesta apenas quando tem seus próprios interesses
feridos, é a lógica do oportunismo. Afinal, o PT foi beneficiado por esse mesmo
esquema, o reproduziu, não fez nada contra, se beneficiou. Os governos petistas
fizeram coisas muito semelhantes (e inovaram com o aparelhamento do estado como
nunca visto antes) e nas últimas eleições, a prática petista contra seus
adversários é um adendo ao engodo eleitoral realizado. O que está sento feito
com o Governo Dilma e PT é o que sempre se fez e sempre se fará numa sociedade
capitalista.
A corrupção petista existe, não é uma invenção. Sem
dúvida, outros corruptos e muita corrupção existem nos demais partidos e a corrupção é generalizada no capitalismo (9).
O PT fez o jogo, mas agora os donos da bola não
querem mais ele no campeonato.
Vai ser expulso. Se procurarem a defesa das classes desprivilegiadas, do bloco
revolucionário, e até mesmo setores do bloco progressista, não encontrarão, a não ser no caso de alguns ingênuos que acreditam no discurso do golpe. No entanto, se o PT
continuasse no governo, os problemas continuariam. A retomada da acumulação de
capital continuaria travada por causa dos compromissos eleitorais do PT, o que
prejudicaria a classe capitalista e, por conseguinte, atingiria outras classes,
incluindo as desprivilegiadas (aumento do desemprego, etc.) e isso geraria um
aprofundamento da crise e da deterioração das condições de vida da população em
geral. O PT conseguiu criar uma situação absurda, na qual sua permanência no poder prejudicaria a todos e só beneficiaria ele mesmo.
Nesse quadro, só haveria a solução capitalista,
o que o Governo Dilma fez apenas moderadamente quando era preciso ser mais forte e radical.
Isso reforçaria o descontentamento da população e o PT não conseguiria manter
seu projeto de poder (10). Entre a solução capitalista, que o governo
Dilma não
efetivou, e a solução da continuidade indefinida da crise e agravamento da
mesma, só haveria uma outra solução, que seria uma transformação social, a instituição
de uma nova sociedade. Os iludidos pensam que a manutenção do Governo Dilma
poderia resolver isso, mas apenas iria piorar a situação e se ganhasse as
próximas eleições, teria que efetivar, sob forma drástica, políticas de
austeridade. Já está na hora de acabar com a era da ingenuidade. Assim, tanto
faz quem é o governo, e já no século 19 Marx já alertava para isso, a política
está a serviço do capital. Essa disputa toda é apenas entre, por um lado, partidos querendo se manter no poder, e, por outro, os interesses mais
determinantes do capital. O PT está isolado e não tem como reagir. Ele declarou
a sua própria derrota e voltará à sua situação anterior.
Por isso, a ilusão petista, já denunciada há muito tempo, foi perdendo força. Uma verdadeira alternativa precisa ser construída, pois
nesse jogo, as regras garantem o capital sempre como vencedor e a disputa
interna do bloco dominante é apenas para definir a política mais adequada à acumulação
do capital e quem estará no aparato estatal, usufruindo de seus privilégios, corrupção,
etc. É hora do bloco revolucionário e classes desprivilegiadas, especialmente o
proletariado, começar a agir em torno do projeto autogestionário ao invés de
reproduzir as ilusões partidárias e eleitorais.
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As Lições das Ruas (Análise das manifestações de 13 de março de 2016).
http://informecritica.blogspot.com/2016/03/as-licoes-das-ruas.html
O Governo Lula e as Ilusões Perdidas:
http://informecritica.blogspot.com.br/2015/08/o-governo-lula-ou-as-ilusoes-perdidas.html
Veja mais:
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Leia mais:
A Insustentabilidade do Governo Dilma:
A Luta de Classes no Brasil:
A Corrupção na Sociedade Brasileira:
As Lições das Ruas (Análise das manifestações de 13 de março de 2016).
http://informecritica.blogspot.com/2016/03/as-licoes-das-ruas.html
O Governo Lula e as Ilusões Perdidas:
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Versão em Áudio:
Veja mais:
Dilma, um rock bolero:
quarta-feira, 6 de janeiro de 2016
Manifesto Autogestionário em HTML
![]() |
Capa do Manifesto Autogestionário, 2a edição (Rizoma Editorial). VIANA, Nildo. Manifesto Autogestionário. 2a Edição, Rio de Janeiro: Rizoma, 2015. |
Para acessar o Manifesto Autogestionário em html, clique aqui.
Sumário do Manifesto Autogestionário
![]() |
Capa da primeira edição do Manifesto Autogestionário, 2008 (Achiamé Editora). |
Sumário
A Burguesia e o Proletariado: A Dinâmica da
Luta entre Trabalho Morto e Trabalho Vivo ______________________________________________________06
Burguesia: O Domínio do Trabalho Morto
__________________________________08
Proletariado: A Potência do Trabalho Vivo _________________________________11
A Autogestão das Lutas Operárias ______________________________________________14
da Greve Geral
aos Conselhos Operários ___________________________________14
Estado e Burocracia: O Véu da Contra-Revolução
____________________________17
Das Lutas Espontâneas e Autônomas para as Lutas
Autogestionárias _____________18
As Tarefas dos Militantes Autogestionários
– Estratégia Revolucionária _____________21
O Papel dos Militantes Autogestionários na Teoria
Revolucionária _______________21
Militantes Autogestionários e Estratégia Revolucionária Hoje
___________________24
Luta de Classes e Instituições Burguesas____________________________________31
As Tarefas Atuais dos Militantes Autogestionários ___________________________39
A Autonomização da Classe Operária
______________________________________40
A Autogestão como Resultado Positivo da Guerra Civil Aberta _________________41
Posição diante das demais Tendências Oposicionistas
__________________________43
O Pseudomarxismo Acadêmico
__________________________________________44
O Pseudomarxismo Reformista ___________________________________________46
O Pseudomarxismo Bolchevista
__________________________________________47
O Sindicalismo________________________________________________________48
O “Socialismo” Individualista
____________________________________________49
O “Socialismo” Filosófico
_______________________________________________51
O “Socialismo” Romântico
______________________________________________53
O Anarquismo Dogmático
_______________________________________________55
O Anarquismo Revolucionário
___________________________________________56
Militantes Autogestionários e Tendências Oposicionistas
______________________57
A Sociedade Autogerida _______________________________________________________59
A Instauração da Autogestão Social _______________________________________60
O Modo de Produção Comunista
__________________________________________63
As Formas Sociais Comunistas ___________________________________________65
Prefácio do Manifesto Autogestionário
Prefácio
O presente
manifesto é um plágio. Um plágio descarado do Manifesto Comunista de Marx e Engels. E é mais do que um plágio: é
um plágio de um plágio, afinal, muitos os acusaram de terem plagiado o Manifesto da Democracia, de Victor
Considerant[1].
Marx plagiou
Considerant?
O Manifesto da Democracia foi publicado cinco
anos antes do Manifesto Comunista,
mas somente uma análise detalhada do conteúdo dos dois textos, juntamente com
outros elementos, poderia responder a esta questão[2].
De qualquer
forma, o presente plágio é formal, embora o conteúdo tenha semelhanças, principalmente
nas duas primeiras seções. Este é um alegre plágio atualizador. Seria bom se
cada indivíduo escrevesse o seu próprio Manifesto
Comunista, pois isto estaria de acordo com uma concepção libertária,
segundo a qual cada indivíduo deve se formar e se aperfeiçoar no sentido de se
armar para contribuir com o processo emancipatório da humanidade.
O motivo de um
plágio nunca é apenas manifestar a arte do plagiador, pois sempre existe outro objetivo:
a fama, o dinheiro, entre outras prosaicas motivações burguesas. No entanto,
aqui o plágio tem outro objetivo: contribuir com o processo de libertação
humana.
A forma do plágio
tem sua origem na necessidade de repensar tudo o que foi apresentado no Manifesto Comunista, mas de forma
atualizada. Os autores do Manifesto
buscaram, na medida do possível, atualizar o texto, tal como se vê nos seus
prefácios às edições posteriores. A principal atualização foi o abandono da
concepção estatizante em favor de uma concepção autogestionária, mutação
ocorrida após a heróica experiência proletária da Comuna de Paris. No entanto,
os leitores pouco se preocuparam com as revisões dos prefácios às novas
edições. Aqui, o caráter autogestionário é ressaltado, transformando-se no
centro do manifesto. Não é uma “correção”, é o princípio fundamental. Além
disso, as mudanças históricas pós-manifesto nos deram muitas lições que Marx e
Engels incorporariam na obra.
A parte do Manifesto Comunista menos passível de
mudanças é a referente à luta entre burguesia e proletariado (cujo título é
“burgueses e proletários”). No entanto, aí há mudanças formais para impedir
deformações e uma maior clareza ajuda na elaboração de um novo manifesto. Também há a incorporação de
uma breve análise do desenvolvimento capitalista recente, apresentando a atual
fase do capitalismo e seu processo de crescente decomposição.
O presente
manifesto toma como ponto de partida a situação atual, concreta, da sociedade
moderna. Realiza uma análise do capitalismo, ponto de partida necessário para
se passar para o processo de transformação social e instauração da sociedade
autogerida. Iremos apresentar o movimento do capital, isto é, da classe
capitalista, do processo de acumulação, apontando suas contradições, e da
potencialidade revolucionária que surge no seu interior, no movimento operário.
A primeira parte deste manifesto se dedica a esclarecer o processo de
exploração e dominação e o processo de luta pela libertação.
A segunda seção
focaliza o engendramento do comunismo, da sociedade autogerida, surge como
possibilidade e potencialidade na relação-capital. As lutas operárias, desde a
formação da classe operária, e de outros setores sociais, apontam para a
possibilidade revolucionária, o desenvolvimento da consciência revolucionária,
a auto-organização, o engendramento de formas de ações e organizações que são o
embrião da futura sociedade autogerida.
Neste processo,
nesta luta de classes, temos que nos posicionar, agir. A terceira seção
trabalha justamente isto: o que devemos fazer neste processo concreto, real,
permanente, de lutas? Qual nosso papel neste contexto? A discussão sobre o
papel dos militantes autogestionários (que no Manifesto de Marx e Engels
corresponde à seção “Comunistas e Proletários”) é fundamental, principalmente
depois da deformação do pensamento marxista realizado pelo leninismo e
social-democracia.
Ao discutir nossa
ação política, é preciso também analisar a prática política que, em muitos
casos, dizem ter objetivos semelhantes ou que podem possuir alguma relação com
a nossa posição. Isto nos remete à quarta parte, voltada para discutir as
tendências contemporâneas oposicionistas e seus limites. As diversas oposições
na sociedade contemporânea devem ser analisadas e ver o seu papel no contexto
das lutas sociais atuais.
Por fim, a luta
pela sociedade autogerida é a constituição de uma utopia, a realização de
sonhos e desejos antigos. Não é possível prever os detalhes da futura
sociedade, o que seria utopismo, mas podemos delinear, em linhas gerais,
partindo das teorias revolucionárias e das experiências históricas, as
características fundamentais da nova sociedade. Neste sentido, dedicamos a
última seção a discutir a sociedade autogerida, a realização do sonho da
libertação humana, o objetivo e razão de ser deste manifesto.
Para concluir,
deixamos claro que este texto é um manifesto.
É o ato de manifestar uma determinada concepção política, fundada em
determinada teoria da sociedade, com o objetivo de fortalecer a tendência que
se deseja. É uma arma de luta e neste sentido não pode poupar nada e ninguém. A
arma da crítica vem acompanhada por um projeto autogestionário. É uma obra
simultaneamente afirmativa e negativa. Nega o domínio do capital e afirma o
domínio dos seres humanos livremente associados, a autogestão. É um manifesto
que busca desencadear muitas outras manifestações e destas manifestações possa
brotar a manifestação de uma sociedade autogerida.
[1] Veja
esta acusação em: Rocker, R. Marx e o Anarquismo. In: Guérin, Daniel e outros. Os Anarquistas Julgam Marx. Brasília,
Novos Tempos, 1986. É bastante duvidoso que isto seja verdadeiro. Em primeiro
lugar, Considerant dificilmente teria as mesmas teses expostas por Marx, embora
pudesse haver semelhanças em alguns pontos; em segundo lugar, O Manifesto Comunista foi inspirado em
um texto anterior de Engels, Princípios
do Comunismo, a não ser que se considere que este também tenha plagiado o Manifesto de Considerant. Por último,
mesmo que haja muitas semelhanças, isto não anula a originalidade de Marx e um
anarquista honesto como Luigi Fabri coloca bem isto ao comentar duas frases de
Marx (“Proletários de todo o mundo, uni-vos” e “a emancipação dos trabalhadores
é obra dos próprios trabalhadores”): “falamos, compreenda-se, das idéias
contidas naquelas duas frases e não apenas das simples palavras. Essas idéias,
sob outra forma, haviam sido expostas por outros também, antes de Marx, porém
ninguém em seu tempo nem antes que ele, lhes haviam dado tanta importância, e
nem as haviam defendido com uma argumentação e documentação histórica tão
apaixonada, nem lhes havia, como propaganda tão assídua, assentado tão
eficazmente na cabeça dos trabalhadores e de quantos se dedicassem ao estudo do
problema social no interesse da classe operária. O mesmo pode-se dizer dos dois
conceitos marxistas, que se completam mutuamente, o de luta de classes e o de
materialismo histórico. Nos outros escritores socialistas chamados utopistas,
anteriores a Marx, e em outros economistas, ainda não socialistas, se encontram
muitos de tais conceitos, porém Marx e Engels tiveram o mérito de coordená-los
em um sistema, de apresentá-los com uma roupagem científica, de fornecer-lhes
uma coesão lógica, de fazê-los, enfim, um argumento de propaganda, uma arma de
luta para a classe operária” (Fabri,
Luigi. Dictadura y Revolución. Buenos
Aires, Projección, 1967, p. 150).
[2]
Depois de ter escrito estas páginas, tivemos acesso à obra de Considerant e a
idéia de que Marx tenha plagiado tal obra é totalmente equivocada. Apenas o
início dos dois textos, sobre as lutas de classes em sociedades
pré-capitalistas é semelhante e mais alguns detalhes. A grande questão é que
muitos repetem acriticamente tais afirmações sem conferir os textos originais.
Devido a isto estamos preparando uma tradução do livro de Considerant com um
prefácio esclarecendo as relações entre as duas obras e o suposto plágio.
Burguesia, Proletariado, Luta de Classes, Trabalho Morto e Trabalho Vivo - Seção 01 do Manifesto Autogestionário
Seção 01:
Burguesia e Proletariado:
A Dinâmica da Luta entre Trabalho Morto e Trabalho Vivo
A sociedade
moderna nasceu e viveu sob o signo da luta de classes. De um lado, a classe
possuidora dos meios de produção que explora aqueles que nada possuem além de
sua força de trabalho. De outro, aqueles que não possuem os meios de produção e
são constrangidos a se submeterem à exploração. A exploração capitalista se
realiza através da extração de mais-trabalho sob a forma de apropriação do
mais-valor produzido pelos trabalhadores.
Antes da
sociedade moderna as coisas eram diferentes. Nas sociedades chamadas
“primitivas” não havia classes sociais, exploração, dominação, propriedade
privada dos meios de produção. Os seres humanos viviam numa constante busca de
garantir sua sobrevivência e para isto realizavam a cooperação no processo de
trabalho através de um processo coletivo de produção e distribuição dos bens
materiais produzidos. Os seres humanos viviam sob relações sociais
igualitárias, sem a existência da propriedade privada.
Com o surgimento
da propriedade privada, temos a constituição das sociedades de classes e da
luta de classes. Por isso já se disse, “a história da sociedade tem sido, até
hoje, a história das lutas de classes”[1].
As classes proprietárias monopolizavam os meios de produção e constrangiam as
classes não-proprietárias a se submeter à sua dominação. O trabalho deixa de
ser fundado na cooperação igualitária e passa a ser comandado pela divisão
social do trabalho, nos quais uns dirigem o processo de trabalho – a classe
proprietária – e outros são dirigidos – a classe produtora.
A propriedade
privada é uma relação social entre proprietários não-produtores e produtores
não-proprietários. É uma relação de classes sociais. A relação entre as classes
sociais é marcada pela luta, pelo conflito de interesses, pela dominação e
exploração. As classes sociais exploradas não aceitam passivamente esta
situação, elas resistem, lutam. É por isso que surge uma instituição voltada
para amortecer os conflitos, controlar as classes exploradas, reproduzir as
relações sociais existentes. Esta instituição é o Estado, instituição que
representa os interesses da classe dominante, mas que se apresenta como estando
acima dos conflitos de classes, acima de interesses particulares, como sendo
representante do interesse geral da sociedade. Obviamente que tanto a classe
dominante quanto o Estado devem ofuscar a dominação e a exploração, bem como
seus verdadeiros interesses.
Surgem,
simultaneamente, as idéias, representações ilusórias da realidade, que visam
naturalizar, eternizar, universalizar as relações de dominação e exploração de
uma determinada sociedade. Estas representações ilusórias são as idéias
dominantes de uma determinada sociedade e expressam os interesses da classe
dominante. Também se constituem determinados valores e sentimentos a partir
destas relações sociais marcadas pela dominação e exploração e assim se
constitui uma determinada mentalidade em cada época que correspondem aos
interesses dominantes.
Com base nestas representações
ilusórias, valores e sentimentos, ou, em uma palavra, na mentalidade dominante,
surge a ideologia, forma sistemática de falsa consciência que transforma em
filosofia, teologia, ciência – em síntese, em pensamento complexo – o conjunto
de idéias de uma determinada época. Isto tudo reforça o processo de dominação
ao ser introjetado também pelos dominados e explorados.
Ao lado disso ocorre
a recusa, a resistência, a luta, das classes exploradas. Desde a luta cotidiana
no processo de trabalho até as formas marginais de cultura contestadora, temos
a resistência e luta das classes exploradas. Na Europa Ocidental, no escravismo
antigo, tínhamos, por um lado, a cidade-estado representando os interesses da
classe dos senhores de escravos, os guerreiros, o trabalho compulsório dos
escravos, a filosofia enquanto forma de ideologia dominante e; por outro, a
fuga de escravos, o assassinato de senhores de escravos, a rebelião escrava – cujo
exemplo máximo foi a rebelião de Spartacus.
No Feudalismo,
tínhamos, por um lado, a propriedade feudal, a classe feudal e o trabalho
compulsório, cobrança de tributos, a Igreja e a religião representando os
interesses dominantes, etc.; e, por outro, a resistência dos servos, com o
roubo de lenha, a busca do comércio, até chegar às rebeliões messiânicas.
Em todas estas
épocas, o que se percebe é uma constante luta entre o trabalho morto e o
trabalho vivo. O trabalho morto é o trabalho acumulado em bens materiais, as
riquezas produzidas e apropriadas pela classe dominante; o trabalho vivo é a
força de trabalho ativa, representada pelas classes produtoras e exploradas. As
classes produtoras produzem as riquezas, os bens materiais, mas não usufruem
delas. As classes proprietárias nada produzem, mas se apropriam do que foi
produzido pela classe produtora. Ao se apropriar das riquezas produzidas pelos
produtores, a classe proprietária passa a ter sua força retirada destas mesmas
riquezas.
É da propriedade
destas riquezas produzidas que a classe proprietária retira seu poder material,
sua legitimidade e seu braço armado e intelectual. O poder material vem da
própria propriedade, pois as terras, dinheiro, máquinas, ferramentas, tornam
todos os demais setores da sociedade dependente dela; a legitimidade advém da
propriedade, pois é ela que torna justa cobrar tributos, trabalho, etc. em
troca do usufruto de parte desta riqueza; o braço armado (exército, guerreiros,
etc.) e intelectual (ideólogos) é pago com parte da riqueza adquirida com a
exploração dos produtores, tornando-se parasitas a serviço dos dominantes.
A Burguesia: O Domínio do Trabalho Morto
Na sociedade
moderna, a classe proprietária é a burguesia e a principal classe produtora é o
proletariado. A burguesia surge na Europa Ocidental, o que se tornou possível
devido a uma combinação de mudanças sociais, marcadas pela situação derivada
dos destroços da sociedade feudal e pela expansão comercial[2],
e se expande pelo mundo todo. Surge uma época marcada por uma forma específica
de exploração, fundada no processo de acumulação de capital. A burguesia,
classe capitalista, funda seu império através da acumulação primitiva de
capital, realizada através da expropriação dos camponeses, pelo sistema
colonial e por outras formas de pilhagem.
Uma vez possuindo
dinheiro para investir, a classe capitalista desenvolve um processo de expansão
da produção industrial, que vai gerar o processo de centralização e concentração
do capital. No início temos a pilhagem, a acumulação primitiva de capital,
depois temos a interferência da burguesia nascente no processo de produção,
transformando os artesãos em trabalhadores assalariados.
O salariato é uma
forma de exploração que nem sempre é visível à primeira vista. Os trabalhadores
assalariados vendem sua força de trabalho, sua única “propriedade”, aos
capitalistas, proprietários dos meios de produção, em troca de um salário. Os
capitalistas utilizam a força de trabalho por determinado período de tempo e
pagam um salário em troca. No entanto, a produção dos proletários é maior do
que o que receberam como salário e do que o que foi gasto com a compra dos
meios de produção (matérias-primas, máquinas, instalações, etc.).
Trata-se de um
excedente que só pode existir devido ao trabalho humano, vivo, concreto, que
transforma as matérias-primas, utilizando ferramentas e máquinas, em um produto
novo, com um valor acrescido ao anterior. O trabalho humano realizado
acrescenta valor às mercadorias produzidas, produz um excedente. Este excedente
produzido pelos proletários é apropriado pelos capitalistas. Estes, apenas com
seus meios de produção, não adquiririam nenhum excedente. Este excedente,
portanto, é produto do trabalho vivo da classe operária. Esta classe, ao
acrescentar valor às mercadorias, ao produzir um mais-valor (ou “mais-valia”),
permite a acumulação de capital e o predomínio do trabalho morto sobre o
trabalho vivo, isto é, da classe capitalista sobre a classe operária.
Uma vez se
apropriando do mais-valor produzido pela classe operária, a classe capitalista
realiza o processo de acumulação de capital e reinveste no processo produtivo e
assim aumenta sucessivamente o seu capital. Esta acumulação gera o processo de
concentração e centralização do capital em poucas mãos e permite o surgimento,
com o desenvolvimento histórico, dos oligopólios – quando um pequeno número de
empresas domina o mercado. Outra conseqüência desta acumulação é a
característica marcante do capitalismo de se expandir e universalizar. O
capitalismo surge na Europa Ocidental, em alguns de seus países, e se
generaliza neste continente e se expande paulatinamente para o resto do mundo.
Os Estados Unidos logo se industrializa e outros países, como a Rússia, o Brasil,
entre outros, começam sua industrialização no início do século 20. A
universalização do capitalismo ocorre simultaneamente, pois ele invade o
conjunto das relações sociais, mercantilizando e burocratizando tudo. A
produção de mercadorias passa a atingir a totalidade dos valores de uso na
sociedade moderna e os bens não materiais e serviços passam a assumir a
forma-mercadoria, ou seja, se torna mercancia[3].
Outra
conseqüência da acumulação capitalista é a alteração da composição orgânica do
capital. Com o desenvolvimento capitalista, cada vez mais o capitalista gasta
em tecnologia, meios de produção e cada vez menos com força de trabalho. Como é
esta última que produz mais-valor, então temos a queda da taxa de lucro médio.
O trabalho morto se torna cada vez mais amplo e passa a dominar a sociedade,
mas ele apenas repassa o seu valor às mercadorias e assim temos,
proporcionalmente, cada vez menos produção de mais-valor pela força de
trabalho. Isto provoca a tendência da queda da taxa de lucro médio. O modo de produção
capitalista cria várias contra-tendências para combater esta queda, desde o
aumento da massa de lucro[4]
até a intervenção estatal no processo de produção, chegando até mesmo a
destruir as forças produtivas, o que é realizado principalmente através das
guerras.
Este processo de
produção e expansão capitalista não é feito sem agentes. A classe capitalista e
suas instituições são os agentes deste processo. O capitalista individual se
sente como um feiticeiro que vê forças mágicas dominá-lo. Ele é pressionado
pela concorrência das outras empresas capitalistas, pela luta operária, pela
produção de outros países, pelos pequenos produtores, pelos limites legais e
ação estatal. Assim, seu espaço de ação é limitado. O movimento do capital é o
movimento da classe capitalista em seu conjunto e este fornece a dinâmica da
sociedade capitalista.
O Proletariado: A Potência do Trabalho Vivo
Mas o capital é
uma relação social, uma relação de classe: de um lado a burguesia, cuja força
está no trabalho morto, e, de outro, a classe proletária, cuja força está no
trabalho vivo. A relação se realiza no processo de produção do mais-valor,
relação que caracteriza e constitui estas duas classes sociais. A produção de
mais-valor é o que caracteriza o modo de produção capitalista[5].
O movimento do capital é marcado pelo predomínio da classe capitalista que
impõe sua lógica de reprodução ampliada do capital, a acumulação capitalista, a
ação estatal de acordo com seus interesses e domina o conjunto das instituições
e da sociedade. Mas isto não se faz sem luta, sem resistência. A classe
operária resiste e sua resistência influencia nos rumos do desenvolvimento
capitalista.
Isto pode ser
observado na história do capitalismo, que é marcada pela sucessão de regimes de
acumulação, produto das lutas de classes. Um regime de acumulação é marcado por
uma determinada forma de extração de mais-valor[6]
realizada no processo de trabalho, por determinada forma estatal e determinadas
relações internacionais. A primeira fase do capitalismo foi marcada pela sua
formação incipiente, pela acumulação primitiva de capital e predomínio do
capital comercial. O processo de trabalho capitalista era marginal e o sistema
colonial e o Estado absolutista eram as fontes da acumulação que permitiria a
revolução industrial e a consolidação do capitalismo.
O regime de
acumulação que emerge após este período é o extensivo, marcado por uma alta
taxa de exploração fundada na extração de mais-valor absoluto, aliado ao
neocolonialismo e ao Estado liberal (século 18 e primeira metade do século 19).
Ele foi substituído pelo regime de acumulação intensivo, caracterizado pela
busca de aumento de extração de mais-valor relativo via organização do trabalho
(taylorismo) e pelo Estado Liberal-Democrático e Imperialismo Financeiro,
fundado na exportação de capital-dinheiro (segunda metade do século 19 e
primeira metade do século 20).
Após a Segunda
Guerra Mundial temos um novo regime de acumulação, o intensivo-extensivo, no
qual predomina o fordismo enquanto organização do trabalho (busca de aperfeiçoamento
do taylorismo com o mesmo objetivo, aumentar extração de mais-valor relativo,
através principalmente do uso da tecnologia), o Estado integracionista (de “bem
estar social”, ou “social-democrata”) e o imperialismo transnacional. Este
entra em crise na década de 60, mas somente na década de 80 do século 20 é que
temos um novo regime de acumulação, o regime integral. Este combina a busca de
aumento da extração de mais-valor absoluto e relativo (“reestruturação
produtiva”), e uma nova forma estatal, o Estado neoliberal, juntamente com um
imperialismo mais agressivo e beligerante, o neoimperialismo. A ordem do regime
de acumulação integral é: aumentar a exploração de todas as formas e em todos
os lugares!
Esta sucessão de
regimes de acumulação expressa a tendência do desenvolvimento capitalista,
marcado pelas lutas operárias e pela tendência de auto-dissolução do
capitalismo devido à queda da taxa de lucro médio. O modo de produção
capitalista, a cada novo regime de acumulação, encontra dificuldades maiores
para se reproduzir. A passagem do regime de acumulação extensivo para o regime
de acumulação intensivo foi provocada tanto pelas necessidades da acumulação
capitalista quanto pela luta operária. A expansão da produção capitalista em diversos
países trazia um processo de ampla acumulação de capital e a oligopolização e a
luta operária pela redução da jornada de trabalho ao ser vitoriosa, criou um
processo de crise. A Comuna de Paris representou o seu golpe de misericórdia
que marcou a passagem para o regime de acumulação intensivo, que logo foi
abalado pelas novas lutas operárias que se iniciam na aurora do século 20 e se
intensificam até que as derrotas operárias marcam a ascensão do nazi-fascismo e
a Segunda Guerra Mundial.
O regime de
acumulação intensivo-extensivo que lhe sucede parece ser marcado pela
estabilidade do capitalismo. No entanto, ele apenas expressa um momento em que
todos os países do mundo já são hegemonicamente capitalistas e que o processo
de exploração e conflito se torna mais agudo nos países capitalistas
subordinados (o dito “terceiro mundo”). Isto ocorre devido ao processo de
expansão das empresas transnacionais acaba realizando transferência de
mais-valor do capitalismo subordinado para o capitalismo imperialista. Parte do
mais-valor extorquido – de forma extensiva, isto é, fundamentalmente extração
de mais-valor absoluto – dos trabalhadores locais acaba sendo drenada pelas
potências imperialistas.
Com o
desenvolvimento capitalista, mesmo estes países se encontram diante de uma nova
crise a partir da década de 60 do século 20. As lutas e ditaduras militares são
expressão do desenvolvimento capitalista contraditório que gera o regime de
acumulação integral, no qual se busca aumentar simultaneamente a extração de mais-valor
absoluto e de mais-valor relativo, inclusive nos países imperialistas. Este
novo regime de acumulação marca uma ofensiva da classe capitalista em reposta
às lutas operárias da década de 60 e das dificuldades crescentes da reprodução
capitalista a nível mundial. As lutas operárias começam a se esboçar em reação
a este processo de intensificação da exploração[7].
Neste contexto,
mudanças nas lutas políticas institucionais, tal como ascensão e fortalecimento
das tendências regressivas (neonazismo, misticismo, etc.) e novas formas de
integração de setores da sociedade, através principalmente do micro-reformismo[8],
além do esboço de ascensão das lutas dos trabalhadores e demais movimentos
sociais.
A luta entre
trabalho morto e trabalho vivo é uma luta entre burguesia e proletariado que
faz parte da essência do capitalismo. Esta luta mostra o predomínio do trabalho
morto sobre o trabalho vivo.
Este processo
mostra, também, a potência do trabalho vivo, que busca abolir a dominação do
trabalho morto para instaurar o predomínio do trabalho vivo, abolindo o capital
e o trabalho assalariado e instaurando a sociedade autogerida. Este processo
ocorre nas lutas de classes e o proletariado é o agente que busca efetivar esta
nova época da história da humanidade. O trabalho vivo é a fonte da produção de
riquezas e ao deixar de ser dominado pelo trabalho morto, cria uma nova
sociedade, onde o trabalho morto não possui autonomia e domínio sobre os seres
humanos. Neste momento, a história da humanidade passa a ser autogerida por ela
mesma.
[3] A
mercadoria é um valor de uso (bem material) e ao mesmo tempo um valor de troca
(valor monetário) que é produzida pelo trabalho humano e sua produção ocorre,
na empresa capitalista, devido ao fato de que a força de trabalho acrescenta
valor à mercadoria, mais-valor, e assim possibilita o lucro. O que aqui
chamamos “mercancia”, ou “forma-mercadoria”, são bens não materiais (com
algumas poucas exceções), são geralmente bens culturais ou coletivos, tais como
serviços (comércio, educação, atendimento médico, etc.) que assumem a forma de
uma mercadoria capitalista sem assumir seu conteúdo, isto é, são “valores de
troca” que, embora sejam produzidos pelo trabalho humano, não produzem
mais-valor, não estão inseridas na dinâmica da produção e reprodução
capitalista de bens materiais. No entanto, ele produz lucro para o capitalista,
mas não se trata de produção de mais-valor e sim fornecimento, e o lucro é extraído
pela remuneração feita pelo Estado ou outros setores do capital ao invés de
provir diretamente da força de trabalho.
[4] A
taxa de lucro é o quantum de
mais-valor contido numa mercadoria enquanto que a massa de lucro é o total de
lucro adquirido com a produção de mercadorias, isto é, no primeiro caso, temos
um dado sobre a extração de mais-valor em uma mercadoria em termos percentuais
enquanto que, no segundo caso, temos apenas o lucro em sua totalidade. Assim,
se uma mercadoria possui 50% de quantum
de mais-valor e ele caí para 30% mas a quantidade de mercadorias de 100 sobe
para 500, temos uma queda da taxa de lucro de 20% mas um aumento da massa de
lucro de 400%. Considerando que o preço de cada unidade é 01 real, temos,
então, um lucro que cai de 50 centavos para 30 centavos e isto significa que,
de cada 100 unidades, tínhamos um lucro de 30 reais mensais, no primeiro caso,
e, no segundo, com o aumento da massa de lucro, 150 reais. Assim, tivemos a
queda da taxa de lucro e o aumento da massa de lucro. O grande problema do
constante aumento da massa de lucro é que é preciso manter-se indefinidamente e
é preciso vender as mercadorias, isto é, ampliar constantemente o mercado
consumidor.
[5]
Neste sentido, as afirmações de que o modo de produção capitalista é um “modo
de produção de mercadorias” é apenas parcialmente verdadeira, pois existem
outras formas de produção de mercadorias. Assim, esta afirmação só é verdadeira
se se acrescentar que é um modo específico de produção de mercadorias, e sua
especificidade se encontra na produção de mais-valor, onde reside a exploração
e a constituição da burguesia e do proletariado.
[6]
Marx colocava a existência da extração de mais-valor absoluto (fundado na
extensão da jornada de trabalho) e da extração de mais-valor relativo (fundado
na produtividade, isto é, na produção realizada numa determinada jornada de
trabalho), no qual um aumentava ou diminuía com de acordo com a extensão da
jornada de trabalho (a diminuição da jornada de trabalho para 08 horas
significou, portanto, diminuição da extração de mais-valor absoluto) ou com a
intensidade da produção nesta jornada de trabalho (em uma jornada de trabalho
de oito horas, se a produção aumenta, então há um aumento de extração de
mais-valor relativo).
[7]
Esta mudança atinge a todas as instâncias da vida social, ampliando a
mercantilização das relações sociais, realizando uma contra-revolução cultural
preventiva expressa no pós-estruturalismo em suas diversas manifestações,
incluindo o “pós-marxismo”, “pós-colonialismo”, o “multiculturalismo”, etc. Cf.
Viana, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e
Letras, 2009.
[8] O
microrreformismo é a busca de reformas que só atendem demandas de determinados
grupos sociais, sem interferir na macro-política ou em reformas sociais gerais,
tal como propunha a antiga social-democracia. O microrreformismo se adéqua como
uma luva nas políticas paliativas de assistência social do neoliberalismo, que
evita reformas profundas ou grandes investimentos, tal como é o caso das
políticas de cotas.
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